terça-feira, 29 de abril de 2014
Antes o Vôo da Ave
Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Alberto Caeiro
quarta-feira, 16 de abril de 2014
Leveza
Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.
E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que se lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.
Cecília Meireles
domingo, 13 de abril de 2014
Pequena canção
Pássaro da lua,
que queres cantar,
nessa terra tua,
sem flor e sem mar?
Nem osso de ouvido
Pela terra tua.
Teu canto é perdido,
pássaro da lua...
Pássaro da lua,
por que estás aqui?
Nem a canção tua
precisa de ti!
Cecília Meireles
Ser pássaro
Ah! Ser pássaro! ter toda a amplidão dos ares
Para as asas abrir, ruflantes e nervosas,
Dos parques através e dos moitais de rosas,
Nos floridos jardins, nas hortas e pomares.
Ser pássaro, cantar, subir, voar na altura,
Pelos bosques sem fim, perder-se nas florestas,
Das folhagens do campo em meio da espessura,
Das auroras de abril nas cristalinas festas.
Tecer no tronco seco ou no tronco viçoso
O quente lar do amor, o carinhoso ninho,
De onde sairá mais tarde o pipilar mavioso
De um outro mais gentil e meigo passarinho.
Não temer o verão e não temer o inverno
Para tudo alcançar na leve subsistência,
No contínuo lidar, no labutar eterno,
Que é talvez da alegria a mais feliz essência.
Viver, enfim, de luz e aromas delicados
Nascido dentre a luz, gerado dentre aromas,
Sonorizando o azul, sonorizando os prados
E dormindo da flor sob as cheirosas comas.
Voar, voar, voar, voar eternamente,
Extinguir-se a voar, no matinal gorjeio,
E ser pássaro, é ter em cada asa fremente
Um sol para aquecer o frio de algum seio.
Cruz e Souza
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